Ao Max (Maximino Teixeira) Amigo feito na guerra
Agora
que o
destino se cumpriu
e as
batalhas se tombaram no ocaso
vou
jogando na cidade
um a
um os meus sonhos acabados
e os
delírios da febre colorida
das
terras distantes
em que
passei
como
se por lá nunca tivesse estado.
Mas
estive.
Estive
e conto
e não
paro os sonhos acabados
que
jogo um a um.
Nesta
cidade é viver
esperar
que devagar se cumpra
talvez
a própria cidade, quem sabe?
Lembras-te,
Max,
quando
me falavas dos stocks,
da
fábrica — era a Riopele, não era?
e do
lugar à tua espera
guardado
para ti, na volta.
Mas tu
não sabias bem das coisas
do
regresso.
Ninguém
sabia, Max.
“Se voltar, é para lá que volto”, dizias.
Tu não
falavas de cidades,
nem
dos delírios urbanos e impessoais
nem
das coisas que eu conhecia melhor.
Falavas-me
de fábricas e operários
e de
pequenas terras
para
mim perdidas lá pelo desconhecido norte.
E
tinhas a pronúncia e o verbo cantado
ao som
dos bês pelos vês.
E eu
era um puto da cidade
e tu
já homem feito
amassado
pela vida.
Lembras-te,
Max?
Lembras-te,
no mato?
Tinhas
tantos dias já no pêlo
e
muitas rações no buxo
e,
daquela vez ardias em febre.
Estoiraste
daquela vez!
Como
tu choravas
agarrado
ao helicóptero.
lembras-te
Max?
—Era a
tua alma não as tuas mãos —
Como
tu choravas a angústia
e tu
eras duro como rocha
e ali,
eu vi um homem partir o medo
sem
quebrar a alma.
Há
coisas bem terríveis
que a gente não
esquece, Max.
Foi um homem o que eu
vi em ti
ali agarrado às forças
todas
das forças do limite de
ti mesmo
que o mesmo é dizer:
Um homem ancorado na
coragem.
Há muito tempo que
escrevia
aos poucos, devagar,
este poema
e aos poucos cada
pedaço ia surgindo,
amadurecendo na árvore
serena
da amizade que tanto
nos unia.
Hoje, a tua Maria do
Rosário
— a Mariana como
carinhosamente
lhe gostavas de chamar
—
deu-me a notícia e eu
parei.
E senti que me parava o
mundo todo.
Eras o melhor de nós,
Max.
És o melhor de nós.
Espera-me, talvez na
parada,
perfilados diante das
nossas amizades.
Descansa agora.
Um beijo terno.
-->
António F. Martins
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