sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O mar todo a acontecer em mim (poemas do mar)

O mar todo a acontecer em mim


Quantas ondas tem o mar
que eu não conheça?
Quantos mares tem o mar
que eu não tenha já navegado?
E o vento? E os ventos?
Quantos ventos sopraram já
que não fosse nas velas acesas
da coragem do meu povo,
esta gente desta terra, aqui,
junto ao mar todo dos mares,
no sul do tudo que é o tudo
do tudo perto e do tudo longe?
Que eu sou neste lugar fundeiro da Europa
uma rocha erguida junto ao mar
e o mar todo a acontecer em mim.

Quantos de mim adormeceram
no embalo do mar chão
ou no revolto pereceram
entre espuma e ondas bravas
no medonho, no agreste
dos profundos mares que naveguei
tantas vezes sem vento
e tantas vezes sem mar
sempre em busca do sul, do norte,
de todos os pontos  cardeais
que no mundo o mundo tem
e neles achando sempre o rumo?
Que aqui, mais que pátria ou que nação,
eu sou um barco, uma vela, a minha gente
e o mar todo a acontecer em mim.


António F. Martins

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Asia Ramazan Antar. Um tiro, um estilhaço e tu morreste ali.

Uma singela homenagem a Asia Ramazan Antar, mulher, mãe, soldado, curda, 22 anos. Morreu a combater pelo seu povo e pela liberdade contra a brutal opressão e a odiosa tirania do Daesh, num qualquer lugar junto à fronteira da Síria com a Turquia.



Asia


Um tiro, um estilhaço
e tu morreste ali, naquele lugar
quase em lugar nenhum
de todos os lugares assim
que há no teu mundo.
Na guerra.
Mas ali era o teu lugar,
o lugar que quiseste,
a tua pátria toda em cada palmo
de sombra da sombra
que naquela terra o sol te dava.

Um tiro, um estilhaço
e tu morreste ali, naquele lugar
a combater a besta, a própria morte
e a tua vida tanto tempo adiada
e a guerra e a pátria curda
tanto tempo adiada
e a morte e a morte e a morte
e tu ali, mulher, mãe, soldado, mulher
e naquela areia a terra toda do teu povo
na ponta firme duma espingarda
apontada à opressão, à tirania
pela mira certeira da coragem.
Da tua coragem, Asia.

E então, um tiro, um estilhaço
e tu morreste ali, naquele lugar.
Mulher, mãe, soldado, mulher,
coragem.

Um beijo.


António F. Martins