Em "Poemas acerca de tudo", é mesmo de tudo e sobre tudo que escrevo. Os "Poemas da guerra" são da guerra. A que fiz e a que ficou em mim. "Escrevendo e desenhando por Lisboa" e "Escrevendo e desenhando pelo Porto", é a minha poesia escrita sobre os traços dos meus desenhos das cidades e das gentes das cidades. É esta a poesia que aqui partilho. A minha poesia. Nada mais que escrita, escrita no perto da alma e no longe do olhar. A minha poesia e o meu olhar.
terça-feira, 30 de agosto de 2016
sexta-feira, 19 de agosto de 2016
Nada nos teus olhos, Juan Yagüe
Juan Yagüe, o
“carniceiro de Badajoz” como ficou conhecido, foi o comandante das tropas
nacionalistas-franquistas-fascistas (integrando 750 temíveis legionários
marroquinos, sanguinários e medonhos que
ficaram lamentavelmente célebres pelas suas bárbaras atrocidades sobre a
população feminina e as crianças) que, no dia 16 de Agosto de 1933, tomaram de
assalto a cidade de Badajoz aos republicanos, usando duma violência e
desumanidade sem paralelo na história das guerras modernas tendo até, pelos
excessos presenciados, impressionado negativamente — pasme-se... — o
oficial superior alemão, enviado pelos
nazis como observador naquela frente de guerra...
O que se seguiu
foi uma das maiores carnificinas da guerra civil espanhola. Foram executados
sumariamente cerca de 4000 cidadãos: militares do exército regular, milícia
popular e civis indiscriminadamente detidos, todos “suspeitos” de pertencer ou
colaborar com os republicanos.
A esmagadora
maioria das execuções foi levada a cabo na praça de touros de Badajoz, em plena
arena e nos corredores interiores.
Deixo-vos, a
propósito dos 80 anos passados sobre a hedionda data e em homenagem a todas
aquelas vitimas da brutalidade fascista, um poema que escrevi:
Nada nos teus
olhos, Juan Yagüe
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando fita os
olhos doutro homem
na ponta da mira
duma espingarda,
alinhado ao lado
doutros homens
aguardando o
disparo assassino do fuzil.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
que vai morrer e
olha a morte de frente
pelo cano
estreito duma espingarda
apontada ao
peito, ao coração e, quem sabe,
acertando em
cheio nas veias da memória.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando
traiçoeira, a morte lhe aparece assim,
noite calada,
porta a dentro, um homem,
a companheira, os
filhos e tudo ali
por dentro do
momento em que o destino
e a alma se vão,
nos abandonam e já não há lágrimas.
É só metralha, é
só dor. É só a morte.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando é fitado
no vago e não como se fita um homem:
De frente e no
fundo mais fundo dos olhos.
Tu nunca
soubeste o que sente um homem
ao pressentir no
vento o disparo certeiro,
definitivo, mortal.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que é um homem alinhado
ao lado doutros
homens e em cada um deles
uns olhos vivos
de vida e coragem, muita coragem
olhando o bruto,
o assassino.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando fita os
olhos doutro homem
na ponta da mira
duma espingarda.
Tu nunca
soubeste nada
do tudo que se
sabe num olhar.
Era de noite em
Agosto e tu disseste que não viste.
Naquela noite tu
não viste nada, Yagüe.
Um cego dos
cegos que não vêm
porque não
querem ver.
Naquela Praça de
touros em Badajoz
era a noite de
16 de Agosto de 1933.
Foi a morte de
todas as mortes
que nessa noite
ali esteve e ali ficou.
E tu não viste
nada?
Não viste, Juan
Yagüe as mortes que ordenaste
na ponta dos fuzis
de cada um dos teus soldados,
perfilados, frente
aos homens, às mulheres,
frente ao sangue
do teu povo?
Não, Yagüe, os
teus olhos não viram nada, ali em Badajoz
porque os
assassinos não vêm só o olfacto lhes aguça o instinto
e era sangue, só
sangue que sentias, não eram os olhos
ou o olhar
daquela gente que os teus olhos nunca
viram.
Nunca quiseram
ver.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando fita os
olhos doutro homem
na ponta da mira
duma espingarda.
Era noite. Ficou
a noite
naquela Praça de
touros em Badajoz.
António F.
Martins
terça-feira, 16 de agosto de 2016
Os fascistas não matam gente nas praças de touros ao Domingo, dia santo
(Em
memória dos cerca de 4000 mártires republicanos, sumariamente assassinados por
fuzilamento na praça de touros de Badajoz, pelas forças nacionalistas-fascistas
do general Franco, às mãos do odioso general Juan Yagüe, em 16 de Agosto de
1933, um mês depois do começo da guerra civil espanhola. Nenhuma das vítimas —
homens, mulheres, velhos e juvenis foi julgado, sequer ouvido por um tribunal)
Os
fascistas não matam gente nas praças de touros
ao
Domingo, dia santo
Não era
Domingo em Badajoz.
Os
fascistas não matam
gente nas
praças de touros
ao
Domingo, dia santo.
Nem ao
domingo
ali se
sangram almas.
Mesmo
fuziladas.
Tu sabias
o que era estar ali
no dia
dezasseis de Agosto
de mil
novecentos e trinta e três.
Tu
sabias, naquela arena,
nos
corredores daquela praça
sob as
bancadas, sol e sombra
e paredes
de caliça e pedra
e uma
praça inteira e despida,
sem olés
nem flores
só o
medonho urro bárbaro
dos
bárbaros.
Não era
Domingo em Badajoz.
Os
fascistas não matam
gente nas
praças de touros
ao
Domingo, dia santo.
E tu
estavas ali, lado a lado,
ombro a
ombro,
companheiro
ao pé do companheiro,
quem sabe,
de mãos dadas
numa transfusão
imensa
de suor e
tanta coragem,
duma mão
para a outra mão
apertadas
como que dizendo:
Vê,
estamos aqui, unidos,
aqui de
pé e cada um
mais que
um homem,
mais que
a própria liberdade:
a
liberdade toda em nós
à espera
da metralha!
Vê os
nossos peitos moribundos
vê como
ardem exposto assim,
abertos
ao sol de Agosto
ou, quem
sabe, mais logo,
iluminados
pelo brilho
esplendoroso
e frio do luar
e pelo
clarão, rápido e cobarde
das balas
assassinas.
Não era
Domingo em Badajoz.
Os
fascistas não matam
gente nas
praças de touros
ao
Domingo, dia santo.
Não. Não
é aqui o nosso lugar,
não é
esta a nossa terra
nem na espúria
arena de Badajoz
uma bala
assassina matará
em cada
um de nós a liberdade.
Neste dia
dezasseis de Agosto
de mil
novecentos e trinta e três
são
outras as nossas trincheiras
e por
toda a parte outras arenas,
outras
praças, tantas ruas e lugares
e outros
os combates por travar.
Nunca sairemos daqui mortos
porque a
razão nunca morre
nem se curva
perante a tirania,
que aqui
agora é o eterno lugar
dos
nossos sonhos todos
derramados,
semeados nesta terra
com o
perene odor do sangue quente
e da
coragem contra a besta.
Nesta
arena que renascida um dia
frutificando
do sangue, incendiará
esta
praça plena de memória
que será,
aqui, ali, em toda a parte
uma praça
em Badajoz
no mundo
inteiro.
Dezasseis
de Agosto
de mil
novecentos e trinta e três.
Os
fascistas não matam
gente nas
praças de touros
ao
Domingo, dia santo.
Era
sábado em Badajoz.
António
F. Martins
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