Juan Yagüe, o
“carniceiro de Badajoz” como ficou conhecido, foi o comandante das tropas
nacionalistas-franquistas-fascistas (integrando 750 temíveis legionários
marroquinos, sanguinários e medonhos que
ficaram lamentavelmente célebres pelas suas bárbaras atrocidades sobre a
população feminina e as crianças) que, no dia 16 de Agosto de 1933, tomaram de
assalto a cidade de Badajoz aos republicanos, usando duma violência e
desumanidade sem paralelo na história das guerras modernas tendo até, pelos
excessos presenciados, impressionado negativamente — pasme-se... — o
oficial superior alemão, enviado pelos
nazis como observador naquela frente de guerra...
O que se seguiu
foi uma das maiores carnificinas da guerra civil espanhola. Foram executados
sumariamente cerca de 4000 cidadãos: militares do exército regular, milícia
popular e civis indiscriminadamente detidos, todos “suspeitos” de pertencer ou
colaborar com os republicanos.
A esmagadora
maioria das execuções foi levada a cabo na praça de touros de Badajoz, em plena
arena e nos corredores interiores.
Deixo-vos, a
propósito dos 80 anos passados sobre a hedionda data e em homenagem a todas
aquelas vitimas da brutalidade fascista, um poema que escrevi:
Nada nos teus
olhos, Juan Yagüe
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando fita os
olhos doutro homem
na ponta da mira
duma espingarda,
alinhado ao lado
doutros homens
aguardando o
disparo assassino do fuzil.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
que vai morrer e
olha a morte de frente
pelo cano
estreito duma espingarda
apontada ao
peito, ao coração e, quem sabe,
acertando em
cheio nas veias da memória.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando
traiçoeira, a morte lhe aparece assim,
noite calada,
porta a dentro, um homem,
a companheira, os
filhos e tudo ali
por dentro do
momento em que o destino
e a alma se vão,
nos abandonam e já não há lágrimas.
É só metralha, é
só dor. É só a morte.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando é fitado
no vago e não como se fita um homem:
De frente e no
fundo mais fundo dos olhos.
Tu nunca
soubeste o que sente um homem
ao pressentir no
vento o disparo certeiro,
definitivo, mortal.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que é um homem alinhado
ao lado doutros
homens e em cada um deles
uns olhos vivos
de vida e coragem, muita coragem
olhando o bruto,
o assassino.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando fita os
olhos doutro homem
na ponta da mira
duma espingarda.
Tu nunca
soubeste nada
do tudo que se
sabe num olhar.
Era de noite em
Agosto e tu disseste que não viste.
Naquela noite tu
não viste nada, Yagüe.
Um cego dos
cegos que não vêm
porque não
querem ver.
Naquela Praça de
touros em Badajoz
era a noite de
16 de Agosto de 1933.
Foi a morte de
todas as mortes
que nessa noite
ali esteve e ali ficou.
E tu não viste
nada?
Não viste, Juan
Yagüe as mortes que ordenaste
na ponta dos fuzis
de cada um dos teus soldados,
perfilados, frente
aos homens, às mulheres,
frente ao sangue
do teu povo?
Não, Yagüe, os
teus olhos não viram nada, ali em Badajoz
porque os
assassinos não vêm só o olfacto lhes aguça o instinto
e era sangue, só
sangue que sentias, não eram os olhos
ou o olhar
daquela gente que os teus olhos nunca
viram.
Nunca quiseram
ver.
Não, Juan Yagüe
tu nunca
soubeste o que sente um homem
quando fita os
olhos doutro homem
na ponta da mira
duma espingarda.
Era noite. Ficou
a noite
naquela Praça de
touros em Badajoz.
António F.
Martins
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