segunda-feira, 24 de outubro de 2016

domingo, 23 de outubro de 2016

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Era aqui este país

Com um especial agradecimento à Helena Pato que na sua página do facebook publicou a imagem destas crianças da autoria do fotógrafo Artur Pastor, colhida no Alentejo na década de 1940 e integrada na sua série "Crianças". Sobre esta plangente imagem escrevi o poema que aqui vos deixo:




segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Já não somos sequer silêncio (poemas da guerra)

Já não somos sequer silêncio


 Oito mil oitocentos e trinta e um.
Mortos.
Todos mortos.
Catorze mil.
Deficientes.
Todos deficientes.
Cento e quarenta mil.
Neuróticos de guerra.
Todos neuróticos de guerra.

E tu não dizes nada,
não te indignas
e em silêncio calas a revolta?
Oito mil oitocentas e trinta e uma
vidas acabadas no começo da vida
e tu não dizes nada,
não te indignas
e em silêncio calas a revolta?
Catorze mil vidas em pedaços
sem pedaços de si, dos seus corpos
e tu não dizes nada,
não te indignas
e em silêncio calas a revolta?
Cento e quarenta mil almas
alma a alma com a alma perdida,
um vago olhar no olhar e uma guerra
que neles nunca acabou
e tu não dizes nada,
não te indignas
e em silêncio calas a revolta?

Não, camarada, não foi esta a guerra
em que lutamos
nem foi esta a guerra em que perdemos
a vida, o nome e a alma. A inocência.
Por nada!
Não, camarada, não foi esta a história
que a História quis para nós, soldados.
Não camarada, nenhum de nós ali morreu,
nenhum de nós ali caiu em pedaços,
nenhum de nós aqui continua entre minas,
em permanentes emboscadas,
dormindo acordado pelas longas noites
ora frias ora quentes da memória.

E agora aqui, camaradas, é como se nunca  
tivéssemos estado lá naquela guerra,
agora aqui é como se ninguém nos visse,
como se ninguém quisesse reparar em nós,
invisíveis, como sombras perdidos
nas sombras mais sombrias da História,
assim como se a pátria, um dia
nunca nos tivesse dito: Vai!

Oito mil oitocentos e trinta e um.
Mortos.
Todos mortos.
Catorze mil.
Deficientes.
Todos deficientes.
Cento e quarenta mil.
Neuróticos de guerra.
Todos neuróticos de guerra.
E tu não dizes nada,
não te indignas
e em silêncio calas a revolta.


António F. Martins




quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Balada para um regresso (poemas da guerra)

Balada para um regresso
Ao Mateus
(poemas da guerra)


Quando voltares, amigo,
estaremos todos
de pé à tua espera
num qualquer lugar
das nossas histórias,
talvez num qualquer lugar
daqueles lugares
que só em nós existem
e só em nós ficaram
como marca indelével
das nossas vidas de soldados.

Quando voltares, amigo,
estaremos todos
de pé à tua espera
como quem espera a sua vez
para voltarmos a caminhar juntos,
um atrás de cada um,
de armas aperradas
andando pelos silêncios
das silenciosas matas
que tanto percorreste
ou, lado a lado, em cada emboscada
que te preparou a guerra e a vida.

Quando voltares, amigo,
estaremos todos
de pé à tua espera
numa qualquer esquina
das ruas do Porto que pisavas
porque não foi só na guerra
que se perdeu a tua vida
foi, talvez, na tua própria vida
que perdeste a tua guerra.
Quando voltares, amigo
estaremos todos
de pé à tua espera.

À espera de nós todos, quem sabe.
Descansa agora.
Um beijo.

António F. Martins




terça-feira, 4 de outubro de 2016

Canto das pedras e das flores

Mais um poema que, com um abraço aqui vos deixo, dedicado a Pescanseco (*).
Às pedras de Pescanseco.


Canto das pedras e das flores


Fez-se a pedra em flor
regada com pingos de ti mesmo
do suor com que arrancavas
da terra funda, da pedreira,
pedra a pedra as pedras secas
que sustentaram uma a uma
as calçadas das terras do teu pão,
socalco a socalco como degraus
em passos de gigante, encosta acima
as paredes altas das ribeiras
e as paredes das casas que fazias.
A tua casa pedra a pedra,
a tua vida toda ali e o teu caixão
feito de pedras talhadas, de musgos
e pequeninas flores do nada
nascidas no tudo da pedra bruta
que cavavas do fundo da terra
como se cavasses no fundo
dos teus sonhos todos.
E ali, com a pedra, pedra a pedra
fizeste tudo e o teu futuro.
Deixa agora que voltem a crescer,
das pedras que deixaste
as flores bravias como tu.
Já não há paredes, já não há portais,
já não há muros, já não há casas
já não há nada de pedra para fazer.
Só a pedra que se fez em flor.


António F. Martins



(*) Aldeia do Concelho de Pampihosa da Serra, na Beira Baixa.