Já não
somos sequer silêncio
Mortos.
Todos
mortos.
Catorze
mil.
Deficientes.
Todos deficientes.
Todos deficientes.
Cento e
quarenta mil.
Neuróticos
de guerra.
Todos
neuróticos de guerra.
E tu não
dizes nada,
não te
indignas
e em
silêncio calas a revolta?
Oito mil
oitocentas e trinta e uma
vidas
acabadas no começo da vida
e tu não
dizes nada,
não te
indignas
e em
silêncio calas a revolta?
Catorze
mil vidas em pedaços
sem
pedaços de si, dos seus corpos
e tu não
dizes nada,
não te
indignas
e em
silêncio calas a revolta?
Cento e
quarenta mil almas
alma a
alma com a alma perdida,
um vago
olhar no olhar e uma guerra
que neles
nunca acabou
e tu não
dizes nada,
não te
indignas
e em
silêncio calas a revolta?
Não,
camarada, não foi esta a guerra
em que
lutamos
nem foi
esta a guerra em que perdemos
a vida, o
nome e a alma. A inocência.
Por nada!
Não,
camarada, não foi esta a história
que a
História quis para nós, soldados.
Não
camarada, nenhum de nós ali morreu,
nenhum de
nós ali caiu em pedaços,
nenhum de
nós aqui continua entre minas,
em
permanentes emboscadas,
dormindo
acordado pelas longas noites
ora frias
ora quentes da memória.
E agora
aqui, camaradas, é como se nunca
tivéssemos estado lá naquela guerra,
agora
aqui é como se ninguém nos visse,
como se
ninguém quisesse reparar em nós,
invisíveis,
como sombras perdidos
nas
sombras mais sombrias da História,
assim
como se a pátria, um dia
nunca nos
tivesse dito: Vai!
Oito mil
oitocentos e trinta e um.
Mortos.
Todos
mortos.
Catorze
mil.
Deficientes.
Todos deficientes.
Todos deficientes.
Cento e
quarenta mil.
Neuróticos
de guerra.
Todos
neuróticos de guerra.
E tu não
dizes nada,
não te
indignas
e em
silêncio calas a revolta.
António F. Martins
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