terça-feira, 4 de outubro de 2016

Canto das pedras e das flores

Mais um poema que, com um abraço aqui vos deixo, dedicado a Pescanseco (*).
Às pedras de Pescanseco.


Canto das pedras e das flores


Fez-se a pedra em flor
regada com pingos de ti mesmo
do suor com que arrancavas
da terra funda, da pedreira,
pedra a pedra as pedras secas
que sustentaram uma a uma
as calçadas das terras do teu pão,
socalco a socalco como degraus
em passos de gigante, encosta acima
as paredes altas das ribeiras
e as paredes das casas que fazias.
A tua casa pedra a pedra,
a tua vida toda ali e o teu caixão
feito de pedras talhadas, de musgos
e pequeninas flores do nada
nascidas no tudo da pedra bruta
que cavavas do fundo da terra
como se cavasses no fundo
dos teus sonhos todos.
E ali, com a pedra, pedra a pedra
fizeste tudo e o teu futuro.
Deixa agora que voltem a crescer,
das pedras que deixaste
as flores bravias como tu.
Já não há paredes, já não há portais,
já não há muros, já não há casas
já não há nada de pedra para fazer.
Só a pedra que se fez em flor.


António F. Martins



(*) Aldeia do Concelho de Pampihosa da Serra, na Beira Baixa.




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