segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

E eu que já nem choro (Poemas acerca de tudo)

Um poema que aqui vos deixo e que hoje mesmo escrevi, na sequência das imagens de sem-abrigo que há pouco vi e cujo link aqui publico. Vejam a impressionante carga humana e dramática de cada uma das personagens magistralmente fotografadas por Lee Jeffries:


E eu que já nem choro
(Poemas acerca de tudo)


Um a um,
rosto a rosto,
devagar,
entro em cada rosto,
em cada olhar que aqui vejo,
que me atormenta
e de que já não sei sair,
aprisionado neles
pela vergonha.

A minha vergonha toda
à flor da pele.
Comovo-me.
Mas nem uma lágrima.
é que um homem fica seco
quando sente que a alma,
por instantes,
lhe morre no peito.

E então eu sinto
que em cada rosto,
em cada olhar,
em cada marca profunda
gravada pelo tempo,
no tempo de cada um,
vejo neles, ali à minha frente,
a humanidade toda.
E vergonha,
sinto vergonha.

Um a um,
rosto a rosto,
devagar,
entro em cada rosto,
em cada olhar que aqui vejo.
Secou-se-me a alma aqui.
Talvez perdida no fundo do meu peito
e é só esta dor que agora sinto,
só esta dor que eu não entendo.

E eu que já nem choro.


António F. Martins

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