Em Abril de 1973 era a guerra e eu partia para Moçambique com a minha companhia formada nos Açores. Nunca irei saber se os soldados açorianos foram ou não os melhores combatentes daquela maldita guerra. Mas há duas coisas que eu sei: foram valentes como os melhores e dos que foram, muitos, mesmo muitos não voltaram. Como homens — que é o que verdadeiramente mais me interessa, foram, lá longe, no meio do mato e do nada do norte do Niassa, exemplares e de exemplar e invulgar amor às suas terras, ao seu mar e às suas gentes. Pescadores e lavradores quase todos. É um abraço forte o que aqui lhes deixo.
Dos Açores à guerra
Eu
trago, companheiros,
nove
ilhas cravadas no meu peito
e
a saudade toda, a desfazer-se
em
sonhos de alva espuma
contra
a rocha firme do meu pensamento
erguido
do fundo do Atlântico,
do
mais fundo do Atlântico
no
meio do Atlântico.
Não
trago nomes de amigos,
dos
amores, de pai ou mãe
gravados
no meu peito,
nem
trago a terra verde ou o mar azul
na
boca de um vulcão.
Uma
gaivota, só uma gaivota
que,
inquieta, vai esvoaçando
no
meu peito e nele não pousa.
Sou
agora, aqui, um arquipélago todo
em
movimento.
Nove
ilhas, uma a uma
alinhadas
ao longo do meu destino,
ancoradas
nesta terra
vermelha
e seca e quente e verde,
exuberância
de sentidos e odores e gente
e
odores e gente e odores e outra gente.
Aqui,
não tenho casa.
Aqui
não é a minha casa.
Nem
esta gente é a minha gente.
Aqui,
não tenho a minha gente.
E
os odores, e os odores.
Os
odores, aqui não são de sal nem de peixe,
sequer
da terra, do verde da minha terra
sempre
a cair, lavrada e pronta para o mar
que,
lá em baixo a recebe e a abraça.
É
a minha terra feita uma gaivota
ao
sabor das marés que, de longe
me
vão salpicando o pensamento e a saudade.
Eu
trago, companheiros,
nove
ilhas cravadas no meu peito
e
a saudade toda.
António F. Martins
1 comentário:
Belíssimo poema, meu amigo!
Grande abraço!
Jorge Vicente
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