É a lezíria, meu
amor
Ao Ribatejo
É a lezíria, meu
amor.
É a lezíria
que aqui nos
enche
os olhos
e a alma de
lonjura
e terra e verde
e plano e plano.
Sem fim.
É a lezíria, meu
amor,
que aqui se
estende
repleta de vida e
sol
e um Ribatejo
todo
com um Tejo inteiro
a correr-lhe nas
veias
percorrendo-lhe
o espaço,
ora sereno e
doce,
ora em furiosa
cavalgada,
enxurrada em
riste
descendo pela
lezíria
e nela abrindo
os longos
braços,
daqui chamando
já a foz,
daqui abraçando,
no perto, quase
o mar.
É a lezíria, meu
amor.
É a lezíria
que me traz
o voo distante
e branco da
cegonha
e me abriga
do sol quente
sob a sombra
das asas firmes
do falcão
que sereno voa,
paira,
e lá do alto do
Ribatejo,
majestoso e
real,
nos acena
e junto a nós
pousa.
É a lezíria, meu
amor.
É a lezíria que
nos atira
para longe o
horizonte
e nos traz vivas
as memórias
e, então, nós
vemos,
parece-nos ver,
engalanado e
solene,
um bergantim,
Vala acima
e um Rei nele
e um cais aqui,
em Salvaterra.
E então, de
longe,
é um sonante e
mavioso
canto operático
o que, num real
delírio teatral,
se ouve na vila
e na lezíria.
E, logo ali,
mais adiante,
é a populaça e
praça cheia,
que a tourada é
real
e há na arena
um Conde
agonizante
que é vingado
por seu Pai.
Nunca, nunca
mais, ali.
É o Rei, é Portugal
inteiro,
em Salvaterra.
É a lezíria, meu
amor.
É a lezíria
e eu vou de pé
na proa redonda
de um Varino
neste Tejo todo
em que navego
levado pela
quadrangular
vela latina
ao vento da
nortada.
Anda comigo,
amor,
entrar no rio em
maré alta,
vamos ao sável,
à fataça,
ao barbo, à
lampreia e à enguia
e deixa-me
depois ficar sozinho,
entre margens,
no meio das
correntes
num qualquer
mouchão,
a olhar o Tejo e
a lezíria,
entre as garças
e o céu
do Ribatejo.
É a lezíria, meu
amor.
É a lezíria
e um barco de
Água acima
descendo o Tejo
carregado de
arroz,
vinho, tomate,
e todo o
Ribatejo no seu bojo.
Anda, amor,
anda ver comigo
Escaroupim.
Vem ver as cores
das casas,
espelhando-se ondulantes,
sobre as águas, rio
a dentro.
Aqui, onde tudo é
o espaço
e a distância,
é a lezíria, meu
amor.
Anda ver o Tejo
e um barco na
faina
e, de pé, um
avieiro,
um homem perdido
nas marés,
no tempo das
marés,
e no seu próprio
tempo.
Vem ver aqui
os “nómadas do
rio” de Redol.
É aqui, neste
Tejo,
que começa e
acaba
o Ribatejo.
É a lezíria, meu
amor.
É a lezíria, e o
toiro
e o campino e o
fandango
e o lavrador e o
forcado
e o pescador e o
fado
e o toureiro e
os bairrões,
e os gaibéus
que de longe aqui
chegaram,
e as mulheres do
Ribatejo,
no campo e no
rio.
As mulheres e
mães
do Ribatejo.
E o Tejo sempre
o Tejo.
e as gentes
todas
que aqui estão.
Aqui, onde tudo
é o espaço e a
distância,
a charneca e a
campina.
Aqui, agora,
também és tu e
eu,
meu amor.
Que a tua alma, Ribatejo,
que o teu chão
de ancestrais
caminhos
seja para mim
supremo encanto
e que o Tejo,
a Lisboa e ao
filial amor
que por ela
tenho,
leve as suas
águas
e com elas a
saudade,
em delírios de
menino
transbordando
inteiro,
suavemente,
na maré rasa dos
teus olhos.
Anda comigo, amor.
É a nossa
lezíria,
é Salvaterra.
Que eu e tu,
agora,
somos daqui
também.
AntónioFMartins