O último voo da
gaivota
(Poemas da
guerra)
Nunca o teu
sonho foi voar
e tiveste medo
naquele voo
que, já distante
dos Açores
te trouxe, já
soldado,
escala em
escala, terra em terra,
de Lisboa até ao
mais profundo
do que era o
mais profundo do Niassa.
O teu
desconforto era sempre as asas.
Um homem não
nasceu para voar
e não era ser um
pássaro que querias,
nem sequer uma
gaivota
daquelas que te
encantavam memória e alma
nos teus sonhos
com o mar da tua ilha
e o abrigado da
tua aldeia e o barco
e a faina e o
peixe e as redes,
malhas com que
tecias a apanhavas vida e sonhos,
entre mar alto e
terra firme.
Nunca um voo de
gaivota e prendeu
ou te levou que
não fosse no olhar.
Só mar alto e
terra firme.
Um dia, numa
tarde quente húmida
como eram todas
as tardes no Niassa,
fez-se de
repente calor e logo frio.
E tu voaste.
Tu que não
gostavas de voar e que não querias,
voaste dez
verticais metros, não mais,
seis dolorosas
braças de mar em terra,
agarrado ao
dorso retorcido de uma Berliet.
E nem uma
gaivota. Nem uma.
Nem um salpico
de vida.
Nem uma aragem
de mar,
só vento quente
e o teu derradeiro voo.
Às vezes, na tua
aldeia, no porto,
junto ao mar, em
terra firme,
há quem chame
por ti e te veja
feito gaivota
pousada nas ondas,
parecendo
descansar, esquecida no mar.
Ou, quem sabe,
esperando a tua volta,
do mar.
AntónioFMartins
1 comentário:
Como eu o compreendo, foram dois anos no Leste de Angola, ainda hoje em noites de insónias por vezes vem á memória esses tempos de meninos, sim ,meninos grandes que alguém achou por bem dar uma G3 para defender Portugal(treta)
Às vezes, na tua aldeia, no porto,
junto ao mar, em terra firme,
há quem chame por ti e te veja
feito gaivota pousada nas ondas,
parecendo descansar, esquecida no mar.
.Obrigado
Martins
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