terça-feira, 6 de outubro de 2015

Barco Valboeiro (Poemas acerca de tudo)


Barco Valboeiro
(Poemas acerca de tudo)


Leva-me no teu barco valboeiro,
arma a tua vela carangueja e faz-te ao rio.
Rio acima ou ao sabor da corrente
vamos à lampreia, ao sável, à tainha,
ao muge e à enguia,
ou então atravessa-me para a outra margem
a margem esquerda do Douro
e traz-me de novo ao cais desta Ribeira do Abade.
Não me posso afastar de ti.

Leva-me no teu barco valboeiro,
Douro acima, navegando pelos ventos frios da nortada.
Abrigado no conforto da tua camareta
verei a Patuleia toda sentada à mesa em Gramido
e o Douro correndo entre bandeiras brancas
e ali, uma pátria toda, de novo a renascer.
Deixa que, logo acima, eu veja o terno Porto
e que até à Régua seja sem medida
a paixão desta viagem em que,
mais que um homem, me sinto um mastro e uma vela.

Leva-me no teu barco valboeiro
e chegaremos nele a toda a parte.
Também ao mar, ao Atlântico mar
e à espuma e ao sol de anunciados ocasos,
e aí lançaremos as redes finas, artes velhas do destino
que puxaremos plenas de futuro e esperança,
e então acenaremos aos outros barcos,
aos outros barcos que não são barcos como o nosso,
Que não são barcos do rio, do mar e da terra.
Que não são barcos valboeiros.
Regressaremos então ao cais.

Leva-me no teu barco valboeiro
acosta e eu esperarei no cais o pão
e talvez uma linda padeirinha de Avintes
que irei levar a passear Douro acima
ou, quem sabe, pela foz até ao mar
onde os pescadores e as sereias se namoram
e em segredo, diz-se, loucamente se amam.
Voltaremos depois, já namorados
com o peixe e o pão
à Praia da Ribeira do Abade

Leva-me no teu barco valboeiro
até ao cais,
vamos sair terra a dentro
até à capelinha de S. Pedro,
e lá rezaremos a Cristo e ao Santo Padroeiro
e juntos sairemos  de mão dada
em devota procissão
sobre um caminho de flores até ao Douro,
até ao cais.

Leva-me no teu barco valboeiro
e do Douro mais profundo
das correntes mais fundas que puderes
colhe-me algas, fios d’ouro
e vai-me tecendo com ternas mãos um coração
que em fina filigrana se desprenderá do meu peito
e, depois, da madeira de um velho rabelo
talha no meu corpo todo
o mais belo barco saveiro,
a garrar rio abaixo, rumo à foz.
Vem comigo.
Leva-me e deixa-me no cais.


AntónioFMartins


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