A notícia: Cavaco Silva, Presidente da República, não vai estar presente nas comemorações oficiais da data.
A incontida raiva pelo
inaudito comportamento de Cavaco Silva, de total desrespeito pelo cargo que
ocupa, de total falta de respeito pelo regime que deveria defender
intransigentemente e com a máxima dignidade e ainda pela ignóbil ofensa que faz
aos cidadãos, fugindo-lhes descaradamente, levou-me a escrever, hoje mesmo,
este poema. Dedico-o aos republicanos que construíram a República, que por ela
lutaram e por ela deram a vida, aos que a alimentaram e aos que nela vivem e
por ela lutam. Aos que a merecem. E não são todos. Viva a República, viva a
liberdade, viva Portugal!
Cincos de Outubro
(Poemas acerca de tudo)
Era todos os anos assim:
Da estátua de António José
de Almeida,
ia a República toda em
cortejo
e, à frente, num passo já
arrastado
no cansaço das memórias
ano a ano repetidas:
os velhos da República,
Morais Soares acima
até à Parada do Alto de
São João.
Vigilantes, a PIDE e a
polícia
bruta e cinzenta lá estava
a passo do nosso passo.
Era todos os anos assim:
Em cada manhã de 5 de
Outubro,
ensinado pelo meu pai,
republicano,
eu ia também por aquela
Lisboa tão triste
e, um miúdo como um homem,
um miúdo entre os velhos
da República
eu vibrava gritando como
eles:
Viva a República,
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
Vigilantes, a PIDE e a
polícia
bruta e cinzenta lá estava
a passo do nosso passo.
Era todos os anos assim:
O 5 de Outubro da coragem
e da memória.
E ali se convocava um a um
— como se alguém pudesse
fazê-lo um a um,
todos os heróis da República
aclamados nas vozes já tão
cansadas
mas tão plenas de coragem,
dos velhos da República.
E então era de novo:
Viva a República!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
Era todos os anos assim:
Morais Soares acima
até à Parada do Alto de
São João.
Depois era como sempre
era:
Viva a República,
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
e um miúdo a correr junto
dos homens,
à frente dos bastões de um
polícia
bruto, de cinzento e
sangue azedo
a fervilhar-lhe nos olhos!
E os velhos da República
abrigados pelos novos,
arrastando-se arrastados,
e os polícias brutos de
cinzento
e o bastão e a força bruta
e a PIDE a acicatar
e a prender
e o Comissário,
cobardolas, ao longe,
de botas de Cavalaria e
pingalim
(Nas ditaduras há sempre
um comissário com botas
de cavalaria e pingalim).
Era todos anos assim:
Ali ao lado, no país
salazarento
o 5 de Outubro era um dia
sem data,
um dia sem dia,
um país todo em casa,
recolhido em si mesmo.
E eu pensava: um miúdo
entre os homens,
entre os velhos da
República:
Um dia, todos os 5 de
Outubro
vão ser dias de respeitar
a liberdade
e a República.
Um dia vai ser!
Agora, este ano, em 2015,
um senhor vindo de longe,
de Poço de Boliqueime
ou lá como se chama o raio
da sua terra,
aldeola situada, dizem que
no Algarve,
feito Presidente da
República,
de uma República há muito
feita,
foge, cobarde, do seu
lugar,
do lugar que lhe foi dado
e não merece.
Nunca mereceu.
Que dirão, lá de longe,
do lugar distante da
memória,
os velhos da república,
os heróis da República?
É o medo do povo!
Só pode ser o medo do
povo!
Cobardia, seguramente.
Era todos os anos assim:
Morais Soares acima
até à Parada do Alto de
São João.
Depois era como sempre
era:
Viva a República,
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!
E um miúdo entre os velhos
da República.
AntónioFMartins
4 de Outubro de 2015
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