sexta-feira, 31 de julho de 2015

É a lezíria, meu amor

É a lezíria, meu amor
Ao Ribatejo


É a lezíria, meu amor.
É a lezíria
que aqui nos enche
os olhos
e a alma de lonjura
e terra e verde
e plano e plano.
Sem fim.

É a lezíria, meu amor,
que aqui se estende
repleta de vida e sol
e um Ribatejo todo
com um Tejo inteiro
a correr-lhe nas veias
percorrendo-lhe o espaço,
ora sereno e doce,
ora em furiosa cavalgada,
enxurrada em riste
descendo pela lezíria
e nela abrindo
os longos braços,
daqui chamando já a foz,
daqui abraçando,
no perto, quase o mar.

É a lezíria, meu amor.
É a lezíria
que me traz
o voo distante
e branco da cegonha
e me abriga
do sol quente
sob a sombra
das asas firmes do falcão
que sereno voa,
paira,
e lá do alto do Ribatejo,
majestoso e real,
nos acena
e junto a nós pousa.

É a lezíria, meu amor.
É a lezíria que nos atira
para longe o horizonte
e nos traz vivas as memórias
e, então, nós vemos,
parece-nos ver,
engalanado e solene,
um bergantim,
Vala acima
e um Rei nele
e um cais aqui,
em Salvaterra.
E então, de longe,
é um sonante e mavioso
canto operático
o que, num real
delírio teatral,
se ouve na vila e na lezíria.
E, logo ali, mais adiante,
é a populaça e praça cheia,
que a tourada é real
e há na arena
um Conde agonizante
que é vingado por seu Pai.
Nunca, nunca mais, ali.
É o Rei, é Portugal inteiro,
em Salvaterra.

É a lezíria, meu amor.
É a lezíria
e eu vou de pé
na proa redonda
de um Varino
neste Tejo todo em que navego
levado pela quadrangular
vela latina
ao vento da nortada.
Anda comigo, amor,
entrar no rio em maré alta,
vamos ao sável, à fataça,
ao barbo, à lampreia e à enguia
e deixa-me depois ficar sozinho,
entre margens,
no meio das correntes
num qualquer mouchão,
a olhar o Tejo e a lezíria,
entre as garças e o céu
do Ribatejo.

É a lezíria, meu amor.
É a lezíria
e um barco de Água acima
descendo o Tejo
carregado de arroz,
vinho, tomate,
e todo o Ribatejo no seu bojo.
Anda, amor,
anda ver comigo Escaroupim.
Vem ver as cores das casas,
espelhando-se ondulantes,
sobre as águas, rio a dentro.
Aqui, onde tudo é o espaço
e a distância,
é a lezíria, meu amor.
Anda ver o Tejo
e um barco na faina
e, de pé, um avieiro,
um homem perdido nas marés,
no tempo das marés,
e no seu próprio tempo.
Vem ver aqui
os “nómadas do rio” de Redol.
É aqui, neste Tejo,
que começa e acaba
o Ribatejo.
                             
É a lezíria, meu amor.
É a lezíria, e o toiro
e o campino e o fandango
e o lavrador e o forcado
e o pescador e o fado
e o toureiro e os bairrões,
e os gaibéus
que de longe aqui chegaram,
e as mulheres do Ribatejo,
no campo e no rio.
As mulheres e mães
do Ribatejo.
E o Tejo sempre o Tejo.
e as gentes todas
que aqui estão.
Aqui, onde tudo
é o espaço e a distância,
a charneca e a campina.
Aqui, agora,
também és tu e eu,
meu amor.

Que a tua alma, Ribatejo,
que o teu chão
de ancestrais caminhos
seja para mim supremo encanto
e que o Tejo,
a Lisboa e ao filial amor
que por ela tenho,
leve as suas águas
e com elas a saudade,
em delírios de menino
transbordando inteiro,
suavemente,
na maré rasa dos teus olhos.

Anda comigo, amor.
É a nossa lezíria,
é Salvaterra.
Que eu e tu, agora,
somos daqui também.


AntónioFMartins

1 comentário:

POESIAS SENSUAIS E CONTOS disse...

Parabéns Antônio por tão belo poema de Amor. Um lindo fim de semana