terça-feira, 23 de junho de 2015

Ao cair da tarde (Escrevendo acerca de tudo)

Ao cair da tarde

Ao cair da tarde
que é a hora mais triste
em Portugal,
Lisboa e o rio ensurdecem
e fica mais triste
em Trás-os-Montes,
nas Beiras e no Algarve.
Cai mais um dia branco
sobre Lisboa
e um rio despede-se
e despe-se de barcos
e já não há fragatas no Tejo
ao cair da tarde.

Em Lisboa é um cais,
um rio e um olhar de cada vez.

Ao cair da tarde

Em Lisboa
há um país inteiro
de pé, a ver partir
a dor que fica
sozinha e calada
em cada tarde,
ao cair da tarde.

Leva-me contigo, além,
àquelas rochas distantes
onde o mar tão perto
se dá em abraços de espuma
e me chama a navegar.
São as rochas
do meu país.
São as rochas,
promontórios
do agreste e vertical princípio
da terra chão de gente
que vive e não desiste
de nele ser gente.

Não me tragas notícias da guerra
que eu não sei da guerra.
Eu não sei nada da guerra.
E os arados não lavram
trincheiras nem olivais.
E as searas não matam gente.
A nossa guerra
está dentro de cada pão
feito do azeite e da farinha azeda.
Está seca a nossa terra.
E as oliveiras do meu país?

Não me tragas as notícias
que falam do meu povo aqui,
que este lugar é de partidas.
A gente do meu país
não tem fronteiras.
Roubaram as fronteiras
à gente do meu país
e a minha gente esvai-se
agonizante,
em multidões pelo destino,
em constante busca
das oliveiras e das searas
que secam no meu país.

E o vento
ao cair da tarde em Portugal?
Como sopra o vento, aqui,
descendo imensos tejos
e desaguando sempre sereno
em mares de longe,
de outrora,
em mares tão nossos,
em mares tão da nossa gente
porque por nós tão navegados?

E o vento, meu amor?
Porque cai o vento
ao cair da tarde
que é a hora mais triste
em Portugal?



AntónioFMartins

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