segunda-feira, 29 de junho de 2015

Eu sou daqui (Escrevendo e desenhando por Lisboa)


(“Não tenham medo da fama / de Alfama mal afamada /
a fama às vezes difama / gente honesta, gente honrada”
Excerto de poema de Francisco Radamanto-Conde de Sobral)

Eu sou daqui
À minha rua do Barão, onde nasci)
(Escrevendo e desenhando por Lisboa)


Eu sou daqui,
da rua do Barão.
A que à sombra da Sé
desce até São João da Praça,
ali morre e ali começa.

Aqui, era o pregão
e o pé descalço,
o operário,
os ofícios,
a varina,
o bibe sujo da criança
e uma bola,
uma guitarra
e um fado
desgarrado noite dentro,
e a meia porta,
o rufia,
 o toque das Trindades,
o incenso
e a procissão.

Aqui, era uma aldeia
inteira na cidade
e uma mão cheia mas fechada,
estendida a outra mão,
de janela para janela.
E era a tarde a entrar,
todos os dias às Trindades,
pelas janelas par em par,
e um cheiro a peixe
que é de Alfama,
e em cada viela
uma calçada feita em tejos.

Eu nasci aqui
e daqui saí
há muito tempo,
ainda menino,
muito menino.
Mas eu acho que,
verdadeiramente,
nunca se sai
do lugar onde se nasce,
nem dele se arrancam
todas as raízes.

É que, as pessoas
são como as árvores:
quanto mais a sua copa
se afasta da terra,
mais as suas raízes
 nela se entranham.




AntónioFMartins


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