Nunca se volta
(Poemas da
guerra)
De repente, um
tiro.
Seco.
De longe, do
invisível,
atinge-me em
cheio
a alma e a
memória,
do meio do nada
e do silêncio
que aqui é em
tudo,
e então eu caio,
desamparado, em
mim
e tento ouvir se
ainda,
mesmo
angustiado,
bate o coração
que há muito
já não tenho no
meu peito,
perdido vez a
vez
em cada tiro,
muitas vezes,
ou afogado
no mar de ventos
das ondas do
capim.
De repente
eu já não sei se
estou,
se vivo,
se o que sinto é
dor,
se é sangue,
se é suor,
se é medo ou só
um grito
que não sai,
preso em mim.
De repente, um
tiro.
Seco.
E a memória toda
acontece.
Um tiro na noite
e no meu sono.
E então acordo.
Já não é aqui o
nada,
o silêncio,
o longe ou o
invisível
mas eu sinto-os
aqui,
marcados a ferro
na minha pele,
cada tiro e cada
lugar
de onde um
homem,
afinal,
mesmo voltando,
parece que deles
nunca mais
volta.
E então
eu tento
adormecer
e digo-me:
Eu já não durmo longe,
num colchão de
insónias,
mato e pedras
e há muito tempo
que não sei da
guerra,
nada.
Nem há trilhos,
nem picadas,
nem minas no meu
quarto.
Sossega António.
Dorme.
Agora é aqui.
Aqui, António.
E então, por
vezes,
acalmadas as
memórias,
quase que
adormeço.
Mas, de repente,
volta um tiro.
Seco.
De longe.
Talvez do
invisível
ou da noite
distante
do meu quarto
e então, aqui,
eu volto a não
saber
se é dor,
se é suor,
se é medo
ou só um grito
que não sai,
ainda preso em
mim.
AntónioFMartins
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