segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Negro destino (Poemas acerca de tudo)


Negro destino
(Homenagem aos mineiros de São Pedro da Cova)


Ouço ainda, lancinantes,
os angustiados silêncios
da descida pelo poço,
em jaulas de ferro e gente
e marmitas de fome e medo
até ao fundo da terra
em busca do carvão.
Do pão.

Por ali desciam os vivos.
Por ali subiam os mortos.
e, então, se cumpria,
suado e temerário
o destino negro,
que é como quem diz:
a descida ao mais profundo
da alma de um homem.
Da infância de uma criança.

Ali se cumpria,
profundo e doloroso,
o lado mais negro do destino
todos os dias deixado
no fundo da mina,
pendurado nas sombras da escuridão
como esquecidas ilusões,
vagueando, negras e perenes,
por entre o carvão
e os sonhos.

Ali, vindo do fundo negro da mina
ouço ainda os negros sibilares
de pulmões envenenados
pela vertigem da sobrevivência
daqueles para quem o pouco pão
sempre rimou com o negro carvão.
Ali, dia a dia se cumpriu também,
em cada homem o destino de um menino
e, nos dois, o destino de uma pátria.
Negro.



AntónioFMartins


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