domingo, 23 de agosto de 2015

Sonho-te Allouette (Poemas da guerra)

Sonho-te Allouette
(Poemas da guerra)


Quantas vezes, ainda,
zoando-me de longe,
o som metálico das pás
de um Helicóptero Allouette
me invade o sono
e aterra numa improvisada clareira
aberta à força bruta do machado
numa longínqua e densa mata,
perdida agora, no chão alcatifado
do meu quarto e dos meus sonhos.

Não, já não há rações de combate
a cair dos céus em caixas de cartão.
Nem em sacos de ansiosa saudade
caiem já do ar as cartas, aerogramas,
agora, aqui, no chão alcatifado
do meu quarto.

Agora que os meus olhos
cansados da guerra
já não perscrutam, acordados
o longe do horizonte,
só nos meus sonhos perturbados
ainda me parece ouvir, por aqui,
zoando-me de longe
o som metálico das pás
de um helicóptero Allouette
que tantas vezes aterra
nos meus sonhos.

Quantas vezes, ainda,
zoando-me de longe,
o som metálico das pás
de um helicóptero Allouette
me invade o sono
e me transporta de novo para a guerra,
num voo rasante de angustias
e tantos, tantos medos.

E então, às vezes, no destino do assalto
salto no ar e num golpe de mão
agarro a mão de minha mãe e acordo.
Emboscado e sereno, protegido no seu colo.

E, sonhando, eu sonho que sonho.
Ainda.



AntónioFMartins

Sem comentários: